O trabalho do Poder Judiciário não se encerra quando o juízo declara quem tem razão em um processo. Essa decisão, por mais importante que seja, é apenas o primeiro passo. Para que o direito reconhecido se torne realidade, é preciso um conjunto de medidas práticas e enérgicas.
Em essência, a execução é a fase em que o Estado utiliza sua força para garantir o cumprimento de uma decisão judicial. Se uma pessoa foi condenada a pagar uma dívida, é através da execução, por exemplo, que seus bens podem ser penhorados.
Este artigo vai detalhar o funcionamento da execução de título judicial de acordo com as regras do Código de Processo Civil de 2015. Serão analisados seus princípios, o passo a passo do procedimento, as formas de defesa e as estratégias que realmente funcionam para alcançar do adimplemento da obrigação imposta pelo Poder Judiciário.
1. O que é, na prática, a Execução de Título Judicial?
É possível definir a execução de título judicial como o conjunto de atos processuais que buscam forçar o cumprimento de uma obrigação já confirmada pelo Poder Judiciário. É a ferramenta que permite ao credor, ir atrás do patrimônio do devedor para satisfazer seu direito.
A grande mudança trazida pelo Código de Processo Civil atual foi a simplificação desse caminho. Antigamente, ao fim de um processo, era preciso iniciar uma nova ação, totalmente separada, apenas para executar a decisão. Hoje, o cenário é outro. A execução de título judicial tornou-se uma fase do mesmo processo, chamada de “cumprimento de sentença”. Isso eliminou burocracia e tornou o procedimento muito mais ágil.

Toda a lógica da execução é guiada por alguns princípios fundamentais, dentre eles se destacam:
- Busca pela efetividade: O objetivo principal é que a execução funcione. A lei oferece diversas ferramentas para que o direito do credor seja, de fato, satisfeito;
- A execução atinge o patrimônio, não a Pessoa: A cobrança é direcionada ao patrimônio do devedor. A regra no direito brasileiro é a impessoalidade da dívida, salvo raras exceções, como a pensão alimentícia;
- Menor custo para o devedor: A lei também protege o devedor de abusos. Se existem várias maneiras de realizar a execução, o juiz deve optar pela que seja menos prejudicial ao devedor, observando quais bens se enquadram nas hipóteses previstas acerca da impenhorabilidade (também oponível por exceção);
- Necessidade de um título válido: Ninguém pode sair executando outra pessoa por qualquer motivo. É indispensável ter um “título executivo”, ou seja, um dos documentos que a lei expressamente reconhece como aptos a iniciar uma execução.
2. Cumprimento de Sentença ou Processo de Execução? Entenda a Diferença
Embora pareçam sinônimos, o Código de Processo Civil usa os termos de forma técnica e com propósitos diferentes. Entender essa distinção é crucial:
- Cumprimento de sentença: É o nome do mecanismo processual utilizado para a execução de título judicial. Como o nome sugere, ele acontece como uma continuação, uma nova fase, do processo onde a sentença foi dada. O devedor é apenas “intimado” para cumprir sua obrigação;
- Processo de Execução: Este é o caminho para cobrar títulos executivos extrajudiciais – aqueles que nascem fora de um processo, como um cheque, nota promissória ou um contrato com a assinatura de duas testemunhas. Aqui, é preciso iniciar um processo do zero, e o devedor é “citado” para pagar a dívida em apenas 3 dias.
Na prática, a execução de título judicial por meio do cumprimento de sentença é mais rápida e direta, pois aproveita a estrutura do processo já existente.
3. Quais são os Títulos Executivos Judiciais?
O artigo 515 do CPC define uma lista clara de quais são aqueles títulos que podem dar início a fase de cumprimento de sentença. Os mais comuns são:
- Decisões que reconhecem uma obrigação: É o caso clássico da sentença que condena alguém a pagar uma quantia, fazer ou deixar de fazer algo, ou entregar um bem. Vale destacar a execução provisória, que permite ao credor começar a executar a decisão mesmo que ainda exista um recurso do devedor pendente de julgamento;
- Decisões que Homologam Acordos: Quando as partes chegam a um acordo (seja em uma audiência de conciliação ou fora do processo) e o juiz o homologa, essa decisão se torna um título executivo. O acordo passa a ter a mesma força de uma sentença;
- Sentença Arbitral: A decisão de um árbitro, em um procedimento de arbitragem, tem a mesma validade e força de uma sentença judicial. A parte vencedora pode levá-la diretamente ao Judiciário para iniciar a execução;
- Formal e Certidão de Partilha: Em processos de inventário, esses documentos definem o que cada herdeiro deve receber. Se um dos herdeiros não cumprir o que foi determinado, o documento serve como título para forçar a entrega dos bens;
- Sentença Penal Condenatória: Quando uma pessoa é condenada por um crime, a sentença também pode determinar a reparação dos danos causados à vítima. Com essa sentença em mãos, a vítima pode iniciar uma execução na área cível para receber a indenização;
- Sentença Estrangeira Validada no Brasil: Uma decisão judicial de outro país não tem efeito automático no Brasil. Ela precisa ser validada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Após esse processo de homologação, ela se torna um título executivo judicial e pode ser executada aqui.
4. A Dupla Função da Execução
A execução de título judicial funciona como uma moeda de dois lados, equilibrando os interesses de credor e devedor.
- Uma garantia para quem ganha (o credor): Para o credor, a execução é a certeza de que a vitória no processo não foi em vão. É o que lhe dá as ferramentas (penhora, bloqueios) para efetivamente receber o que lhe é devido;
- Um limite para quem perde (o devedor): Para o devedor, o título executivo funciona como um escudo contra cobranças abusivas. O valor e o objeto da obrigação estão claramente definidos, impedindo que o credor exija mais do que o determinado. Além disso, a lei protege certos bens da penhora, como parte do salário e o imóvel onde a família reside (bem de família), garantindo o mínimo existencial.
5. Os 3 Requisitos Essenciais: Certeza, Liquidez e Exigibilidade
Para que uma execução de título judicial possa começar, a obrigação contida no título precisa preencher três requisitos indispensáveis:
- Certeza: A obrigação deve existir de forma clara e inquestionável. Em um título judicial, a certeza é quase sempre presumida, pois a existência da dívida já foi debatida e decidida na fase anterior do processo;
- Liquidez: O valor ou o objeto da obrigação deve ser exato ou facilmente calculável. Se uma sentença condena o réu a pagar “danos a serem apurados”, ela é certa, mas não é líquida. Nesse caso, antes de executar, é preciso uma fase rápida chamada liquidação de sentença, onde um perito ou o próprio juiz define o valor exato da condenação;
- Exigibilidade: A obrigação deve estar vencida. O credor só pode exigir o cumprimento se o prazo para o devedor pagar voluntariamente já tiver expirado.
6. O Passo a Passo da Execução de Título Judicial
O procedimento do cumprimento de sentença para o pagamento da obrigação é bastante objetivo:
- A pedido do credor: Tudo começa com o credor apresentando uma petição simples, com a planilha do débito atualizada, pedindo o início do cumprimento da sentença;
- Intimação para pagamento: O devedor é então intimado para o adimplemento da obrigação em 15 dias;
- Multa e honorários: Se o adimplemento for efetivado nesse prazo, a dívida aumenta automaticamente: são acrescidos multa de 10% e honorários de advogado também de 10%.
- Busca por bens: A partir daí, começa a fase de “caça” ao patrimônio do devedor. O advogado do credor solicita ao juízo o uso de sistemas eletrônicos de busca de bens, sendo os mais conhecidos:
- SISBAJUD: É uma ordem eletrônica que “varre” as contas bancárias do devedor em todo o país e bloqueia os valores encontrados até o limite da dívida;
- RENAJUD: Faz uma busca nos sistemas do Detran e permite o bloqueio de veículos em nome do devedor, impedindo sua venda ou transferência;
- INFOJUD: Acessa os dados da Receita Federal para identificar outras fontes de renda ou bens declarados.
- Penhora e Leilão: Se os bloqueios não resolverem, o processo parte para a penhora de outros bens, como imóveis. Uma vez penhorado e avaliado, o bem é levado a leilão judicial, e o dinheiro arrecadado é usado para pagar o credor de demais despesas que envolvem o trâmite de arrematação como a comissão do leiloeiro.
7. O que o Devedor Pode Fazer e quais os meios de defesa?
O devedor pode se opor a execução da seguinte forma:
- Impugnação ao cumprimento de sentença: Após o prazo para pagamento voluntário, o devedor tem mais 15 dias para apresentar essa defesa. Nela, ele pode alegar questões específicas, como um erro no cálculo da dívida, uma penhora de bem impenhorável ou o pagamento parcial já realizado;
- Exceção de Pré-Executividade: É um “atalho” de defesa, criado pela prática jurídica, para apontar erros graves e evidentes que não precisam de provas complexas. Por exemplo, se a dívida já foi integralmente paga e o devedor tem o recibo, ele pode usar essa medida mais simples para pedir a extinção da execução.
8. Título Judicial vs. Título Extrajudicial: Resumo das Diferenças
A tabela abaixo resume as diferenças práticas:
Característica | Título Judicial | Título Extrajudicial |
Origem | Decisão da Justiça (sentença, acórdão) | Acordo entre partes (contrato, cheque, duplicata, nota promissória.) |
Procedimento | Cumprimento de Sentença (fase do processo) | Processo de Execução (processo novo) |
Como o devedor é acionado | Intimação para pagar em 15 dias | Citação para pagar em 3 dias |
Principal Defesa | Impugnação ao Cumprimento de Sentença | Embargos à Execução |
9. Estratégias Práticas para uma Execução de Sucesso
A atuação do advogado é fundamental durante a execução de título judicial, necessitando que o profissional adote estratégias que garantam o efetivo recebimento do crédito consignado na sentença. Dentre as práticas imprescindíveis destacam-se:
- Investigação patrimonial: Um bom trabalho começa com uma investigação para entender a situação financeira do devedor e direcionar os pedidos de penhora de forma mais certeira;
- Agilidade nos pedidos: Assim que o prazo de pagamento voluntário se esgota, é fundamental pedir imediatamente o uso do SISBAJUD e de outras ferramentas, antes que o devedor possa movimentar seus ativos;
- Uso de medidas atípicas: Em casos mais difíceis, onde o devedor claramente esconde o patrimônio, a lei faculta ao juízo determinar medidas mais duras, como a suspensão da CNH ou do passaporte;
- Negociação inteligente: Muitas vezes, um acordo bem negociado, que garanta o recebimento de uma parte da dívida de forma rápida, é mais vantajoso do que passar anos em uma execução incerta.
10. Considerações Finais
A execução de título judicial é, em resumo, o momento da verdade no processo. É a fase que define se o direito reconhecido pelo Poder Judiciário se converterá em um benefício real para o vencedor da causa. Para o advogado, dominar as técnicas e estratégias de execução é essencial para que o cliente tenha êxito quanto o recebimento daquilo que lhe é devido.
Muito bom